PASSEIO PELA HISTÓRIA NOS MONUMENTOS DO CENTRO DE ARACAJU/SE
Parte VI
Identidade Cultural
Como vimos, para que algo possa merecer a pretensão de patrimônio histórico cultural, é necessário que determinado grupo, ou seja, que a coletividade identifique esse algo como importante, selecione-o, e dessa forma o eleja como objeto de preservação.
A identidade cultural entra como instrumento que sustentará o discurso que une diferentes grupos e categorias sociais sob uma mesma identidade.
A identidade é o que o une um grupo em torno de um espírito de pertencimento, e é o que faz este grupo se identificar com determinado bem histórico cultural.
Esse sentimento de compartilhamento torna possível todo o processo de tombamento, ao qual um bem é sujeitado, para que se torne um patrimônio histórico, artístico e cultural, de determinadas sociedades.
Outra contribuição que nos será muito preciosa é a de Carlos A. S. Lemos (1987)[17], que escreveu um livro que fala somente sobre Patrimônio Cultural, e que serve de uma ótima cartilha elucidativa para os iniciantes em questões patrimoniais. E assim ele inicia o seu livro:
Ultimamente, os jornais, as revistas e a própria televisão estão a dar ênfase a um assunto até há pouco sem interesse maior ao povo, que é esse tema ligado às construções antigas e seus pertences representativos de gerações passadas e que, englobadamente recebem o nome genérico de “Patrimônio Histórico”, ao qual, às vezes, também é aposta a palavra “Artístico”. Na verdade, essa expressão usual [...] abrange somente um segmento de um acervo maior, que é o chamado Patrimônio Cultural de uma nação ou de um povo.[18]
É com esta analise que Lemos começa seu trabalho escrito no início dos anos 1980. Nos encontramos em pleno século XXI e nos arriscamos a falar que, no que diz respeito a patrimônio, muita coisa mudou, porém ainda há um longo caminho a percorrer até que o povo reconheça seu patrimônio e se considere parte de um processo maior, o qual chamamos, História.
Ao esclarecer a natureza do patrimônio, o autor declara que “Podemos ver também que é incomensurável o número total de bens que compõem o Patrimônio Cultural de um povo, de uma nação ou de um pequeno município”[19].
Lemos analisa as transformações funcionais que determinados ‘artefatos’, ou seja, monumentos, sofrem com o passar dos anos, e usa como exemplo as modificações sofridas por vezes em pequenas casas habitacionais.
Com o progresso e as novas facilidades a sua “casinha” do quintal, que abrigava a latrina sobre a fossa negra, foi substituída pelo banheiro completo feito num puxado anexo à cozinha velha que, por sua vez, teve seu fogão a lenha substituído pelo aquecido a gás, e cada família sucessiva que nela habita vai deixando sua marca nos agenciamentos internos; mas que chega um tempo em que a construção realmente não pode mais oferecer o conforto exigido pelas novas concepções de bem morar de uma determinada classe social e, então, vemos a construção perder sua compostura antiga, sendo fracionada em habitáculos multi-familiares; e de degradação em degradação chega ao seu dia de demolição para dar lugar a edifício concebido dentro das novas regras do conforto ambiental e dentro de outras condições financeiras.[20]
O fragmento acima foi selecionado por ilustrar perfeitamente bem a natureza das relações sociedade-patrimônio histórico cultural, no nosso contexto cultural.
Apesar de Lemos ter produzido seu livro na década de 80 e terem decorrido mais de vinte anos, e nesse período termos transposto um século, muito pouca coisa mudou no que diz respeito ao patrimônio.
Sua pouca divulgação é uma delas. Semelhante as mutações sofrida pelas pequenas casas analisadas por Lemos, os edifícios antigos muitas vezes sofrem o mesmo descaso.
CONTINUA
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Parte V
Classificação dos
bens patrimoniais
Antes de prosseguir com as definições é necessário entrar
agora no terreno da classificação dos bens patrimoniais. Reconhecemos que é
muito complexa a divisão ao qual se convencionou o patrimônio no mundo, e esta
precisa ser cuidadosamente analisada.
Mas sem ela não será possível prosseguir, pois à medida
que avançamos, mais relevante se torna compreender como os especialistas
definiram o patrimônio.
Dentro do conceito de patrimônio existem diversas
categorias que foram sendo criadas para melhor organização e estrutura. O
patrimônio pode ser classificado como sendo cultural, histórico, artístico,
arqueológico, natural.
Dentro de cada uma dessas classificações, existe ainda a
noção de patrimônio material e imaterial.
No patrimônio dito material ou conhecido também como
tangível, estão inseridos os monumentos históricos, os conjuntos urbanos,
locais sagrados, obras de arte, tesouros subaquáticos, objetos pré-históricos,
peças arquitetônicas.
Neste grupo podemos observar também o que hoje se conhece
por patrimônio natural, e aí estão incluídos os parques nacionais, paisagens
que no decorrer da História foram sendo modificadas pela ação do homem,
ecossistemas, assim como a biodiversidade.
No que chamamos patrimônio imaterial ou intangível, estão
as tradições da cultura oral de determinados grupos humanos.
Voltaremos agora a refletir sobre o conceito de
patrimônio trazendo a discussão para o âmbito da realidade brasileira, é
necessário colocar que ‘a idéia de
patrimônio esteve associada a tudo aquilo que se relaciona com a herança
cultural ibérica’[11].
(Nunes; Lima, p.10)
A primeira preocupação com a preservação de um bem
cultural estava intimamente ligada a presença e participação dos portugueses no
processo de colonização do Brasil.
Essa mentalidade durou até o século XX, quando finalmente
a partir da década de 1930 mudanças significativas começam a transformar o
campo das ações patrimoniais no país.
Mas a década do auge das preocupações sobre a preservação
do patrimônio cultural do Brasil foi a década de 70.
Os anos 70 (do século XX) colocam
novos interesses no universo do patrimônio, sendo que o período imperial passou
a ser visto com mais interesse. Ao mesmo tempo, as manifestações culturais
populares – artesanato, ritos, festas –, que até esse período eram objeto de
estudo de folcloristas e etnólogos, passaram a ser merecedoras de uma maior
atenção e consideradas patrimônio.[12]
Outra contribuição que aqui será aproveitada encontra-se
na obra dos historiadores Pedro Paulo Funari e Sandra C. A. Pelegrini (2006)
que trabalham as questões patrimoniais a partir de definições conceituais que
não apenas enriquecem como também esclarecem as ambigüidades que a própria
palavra ‘patrimônio’ abarca. Esses historiadores trabalham as duas idéias mais
comuns na mentalidade das pessoas no que concerne a patrimônio. No entanto,
essas idéias estão ligadas ao patrimônio individual e particular de cada um.
Em primeiro lugar, pensamos nos
bens que transmitimos aos nossos herdeiros – e que podem ser materiais, como
uma casa ou uma jóia, com valor monetário determinado pelo mercado. Legamos,
também, bens materiais de pouco valor comercial, mas de grande significado
emocional, como uma foto, um livro autografado ou uma imagem religiosa do nosso
altar doméstico. Tudo isso pode ser mencionado em um testamento e constitui o
patrimônio de um indivíduo. A esse sentido legal do termo, devemos acrescentar
outro, não menos importante: o patrimônio espiritual. Quando pensamos no que recebemos
de nossos antepassados, lembramo-nos não apenas dos bens materiais, mas também
da infinidade de ensinamentos e lições de vida que eles nos deixaram.[13]
Trabalhamos até aqui a concepção de patrimônio do ponto
de vista do indivíduo, do que cada um define como sendo importante. No entanto,
a concepção que nos interessa está centrada na coletividade, naquilo que passa
a ser importante e que interessa a toda a comunidade e conseqüentemente a
sociedade de uma maneira geral.
Essa concepção é mais complexa, e logo mais difícil de se
definir, e ainda mais difícil de se aplicar nos discursos em pról da defesa e
manutenção dos monumentos históricos. Para auxiliar na compreensão do que venha
a ser coletividade Funari e Pelegrini (2006) fazem a seguinte observação:
A coletividade não é um simples
soma de indivíduos, assim como o todo não é uma mera junção das partes, como
afirmou, há 2.500 anos, o filósofo grego Platão. Podemos lembrar também o que
diz outro pensador antigo, Aristóteles, ao assinalar que as palavras não são
apenas a junção de letras, como um animal não é soma de órgãos. As
coletividades são constituídas por grupos diversos, em constante mutação, com
interesses distintos e, não raro, conflitantes. Uma mesma pessoa pode pertencer
a diversos grupos e, no decorrer do tempo, mudar para outros. Passamos, assim,
por grupos de faixa etária: crianças, adolescentes, adultos, idosos. Passamos
ainda de estudantes a profissionais e, em seguida, a aposentados. São,
portanto, inúmeras as coletividades que convivem em constante interação e
mudança.[14]
É a coletividade que determinará o que é importante e por
isso passível de ser preservado e o que merece ser esquecido.
Como visto que as coletividades são múltiplas e variam de
acordo com os interesses de cada grupo, logo não é uma tarefa fácil determinar
o que é digno do direito de memória.
Os interesses também variam, e vão desde a relevância
histórica à artística, mas todos podem de certa forma serem englobados na
relevância cultural. A preservação da memória se dá quando se reconhece a
relevância de um determinado bem, seja ele material ou imaterial.
O direito de memória ao qual está ligado a função de
preservar um bem cultural é o que justificativa tal preservação. “Preservar é a palavra-chave quando se pensa
em memória, e remete à idéia de proteção, cuidado, respeito”[15],
é o que nos diz Felícia Assmar Maia em seu artigo.
Tomando as concepções analisadas por FUNARI sobre o papel
da memória no que diz respeito a conservação temos o seguinte:
Há não muito tempo, Joachim
Hermann (1989: 39) sugeriu que “uma consciência histórica é estreitamente
relacionada com os monumentos arqueológicos e arquitetônicos e que tais
monumentos constituem importantes marcos na transmissão do conhecimento, da
compreensão e da consciência históricos”. Não há identidade sem memória, como
diz uma canção catalã: “aqueles que perdem suas origens, perdem sua identidade
também” (Ballart 1997:43). Os monumentos históricos e os restos arqueológicos
são importante portadores de mensagens e, por sua própria natureza como cultura
material, são usados pelos actores sociais para produzir significado, em
especial ao materializar conceitos como identidade nacional e diferença étnica.[16]
Nesse momento entra no campo da discussão algo que ainda
não havia aparecido diretamente, mas está implicitamente presente no contexto,
a identidade cultural.
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Parte IV
O Conceito de Monumento
Utilizaremos muito o termo “monumento” para designar o patrimônio. No Guia Básico de Educação Patrimonial os autores definem um conceito, e será este conceito que nos acompanhará ao longo do nosso trabalho, nos apropriaremos dele, e aqui ele será reproduzido na integra.
Um monumento é uma edificação ou sítio histórico de caráter exemplar, por seu significado na trajetória de vida de uma sociedade/comunidade e por suas características peculiares, de forma, estilo e função. Existem monumentos construídos especialmente para celebrar ou relembrar algum episódio, momento ou personagem de nossa História [...] Outros são remanescentes do passado, que sobreviveram ao tempo, e que são consagrados pela sociedade como símbolos coletivos, e como referências da memória de um povo. Em suas estruturas, formas e uso, revelam um monumento determinado do passado, e são testemunhas dos modos de vida, das relações sociais, das tecnologias, das crenças e valores dos grupos sociais que os construíram, modificaram e utilizaram.[6]
A historiadora Françoise Choay em seu livro A Alegoria do Patrimônio trabalha o conceito de monumento histórico em si mesmo, atribuindo-lhes um valor cognitivo e um valor artístico.
A respeito do valor cognitivo Choay (2006) esclarece: Cumpre observar, porém, que no século XIX a economia dos saberes centrou a função cognitiva do monumento histórico no domínio, recém-determinado e ainda em fase de organização, da História da arte[7].
Em dado momento a autora crítica a relação que os historiadores tinham com os monumentos históricos, e a faz da seguinte forma: No século XIX, os historiadores que queriam e sabiam olhar os monumentos antigos eram exceções e continuaram sendo por muito tempo[8].
Era preciso desenvolver um senso crítico, que criasse no espírito não somente dos historiadores, mas de um modo geral, no espírito da sociedade, um reconhecimento do valor artístico e histórico dos monumentos.
Podemos até correr o risco de sermos otimistas demais, e afirmar que diante de tantas preocupações e discussões a cerca de conceitos como monumento artístico e histórico, patrimônio cultural e preservação patrimonial, sem esquecer é claro o conceito, ou melhor, os conceitos de educação patrimonial, que atualmente o reconhecimento do valor histórico, artístico e cultural em torno das questões patrimoniais está crescendo cada vez mais.
Porém veremos que ainda há muito que fazer. É claro que Choay trabalha essas questões ambientadas na França, mas os questionamentos levantados são altamente pertinentes para se compreender as mudanças ocorridas na mentalidade social e nas políticas públicas relacionadas ao patrimônio cultural no mundo.
A Constituição Federal do Brasil em sua Seção II – Da Cultura, visa constituir um conceito de patrimônio e assegurar a manutenção e proteção deste na forma legal.
Embora ainda estejamos discutindo o conceito de patrimônio e não começamos a discutir ainda a questão da preservação, esta seção da Carta Magna de nosso país, fornece um quadro do que legalmente se constitui patrimônio. E por este motivo transcrevemos aqui o trecho a que nos referimos.
Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
I – as formas de expressão;
II – os modos de criar, fazer e viver;
III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;
V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.
§ 1º O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras de acautelamento e preservação.
§ 2º Cabem à administração pública na forma da lei, a gestão da documentação governamental e as providências para franquear sua consulta a quantos dela necessitem.
§ 3º A lei estabelecerá incentivos para produção e o conhecimento de bens e valores culturais.
§ 4º Os danos e ameaças ao patrimônio cultural serão punidos, na forma da lei.[9]
Tomaremos também o conceito de patrimônio utilizado pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), órgão criado em 1945, como resultado da preocupação de diversas Nações do mundo de se definir e proteger os bens culturais da humanidade. A UNESCO tem sob sua égide o objetivo de identificar, avaliar, credenciar e também tombar bens em todas as partes do mundo, ou seja, tem como objetivo salvaguardar o patrimônio cultural.
Recentemente a UNESCO elegeu a Praça São Francisco no município de São Cristóvão, em Sergipe, como Patrimônio Cultural da Humanidade.
A primeira convenção referente ao patrimônio mundial, cultural e natural foi adotada pela conferência geral da UNESCO em 1972. A partir do reconhecimento da importância da diversidade, a grande novidade consistiu em considerar que os sítios declarados como patrimônio da humanidade pertenciam a todos os povos do mundo. [...] A UNESCO lançou diversas campanhas internacionais para salvaguarda do patrimônio cultural, a maioria na Ásia e nos países árabes, mas também em outras áreas, inclusive Brasil, Argentina e Paraguai, em 1988, para proteger as missões jesuíticas. Uma de suas preocupações é a catalogação de mais de duas dezenas de sítios patrimoniais da humanidade ameaçados; uma convenção de 1970 trata do tráfico ilícito de bens culturais. O órgão tem atuado também na formação de pessoal e em programas de ensino médio, e exortado os países para que as populações locais sejam estreitamente associadas à planificação e às ações concretas de salvaguarda.[10]
CONTINUA
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Parte III
PATRIMÔNIO CULTURAL E MATERIALIDADE
O que definimos como
Patrimônio Cultural
Muito se tem discutido e abordado com relação a
patrimônio nos últimos 30 anos. Mas afinal, o que é patrimônio? Como se define?
Como o relacionamos com o nosso meio? Como o produzimos? Serão estas as
questões que buscaremos responder “a
priori”.
Ao longo deste episódio tais questionamentos serão
analisados e relacionados a alguns conceitos chaves que serão introduzidos
aqui, mas serão também trabalhados de forma mais detalhada e abrangente em
tópicos posteriores.
Logo, para entendermos melhor o conceito de patrimônio, e
dessa forma criarmos um conceito próprio, precisaremos compreender o que é
cultura, materialidade, memória, preservação, monumento histórico e identidade
cultural.
Ao longo desse tempo as discussões acerca do conceito de
patrimônio foram se intensificando no cenário da cultura mundial. Essas
discussões centram-se em questões relevantes para o patrimônio, como manutenção
e preservação, assim como exploração dos bens patrimoniais.
Daí a importância de compreendermos melhor cada conceito,
e aplicá-los ao nosso estudo. Outra importante abordagem que enriquece esta
temática concentra-se no papel da memória na construção da cultura patrimonial
e da educação patrimonial.
Tentaremos abordar ao longo deste tópico as discussões
que concerne ao que instituímos por patrimônio cultural.
Não podemos esquecer também que alguns conceitos serão
tomados emprestados para auxiliar a empreitada de nossa abordagem.
Esses conceitos são o de monumento histórico e identidade
nacional, porém serão abordados mais adiante.
Para uma maior compreensão das questões patrimoniais será
necessário uma regressão no tempo para conhecer as evoluções pelas quais o
conceito passou ao longo da História.
O conceito de patrimônio engloba diversas contribuições
de estudiosos e pesquisadores e a primeira contribuição que será utilizada é a
da historiadora das teorias e das formas urbanas e arquitetônicas Françoise
Choay (2006, p.11) que nos diz que essa “antiga
palavra estava, na origem, ligada às estruturas familiares, econômicas e
jurídicas de uma sociedade estável, enraizada no espaço e no tempo[1]”.
Corroborando Choay temos Funari (2001, p.1) que contribui
falando que a palavra patrimonium
referia-se à “propriedade herdada do pai
ou dos antepassados, uma herança”[2].
Nota-se aqui que a gênese da palavra patrimônio estava
relacionada aos bens que o pai, ou pater[3],
de uma família possuía e, entende-se aqui todos os seus pertences, incluindo
sua esposa, filhos e também os escravos, além é claro de todos os bens
materiais que poderia possuir.
Tal característica, no contexto atual, pode causar em
alguns estranheza e até mesmo indignação, porém, analisando o contexto em que
surge, compreende-se como algo naturalmente usual e juridicamente instituído.
Retornando a análise para o cerne do conceito, segundo
Choay (2006) a ligação também ocorria do ponto de vista econômico e jurídico de
uma sociedade, comprovadamente patriarcalista, a exemplo da sociedade romana.
Requalificada por diversos
adjetivos (genético, natural, histórico, etc.) que fizeram dela um conceito
“nômade”, ela segue hoje uma trajetória diferente e retumbante. Patrimônio
histórico. A expressão designa um bem destinado ao usufruto de uma comunidade
que se ampliou a dimensões planetárias, constituído pela acumulação contínua de
uma diversidade de objetos que se congregam por seu passado comum: obras e
obras-primas das belas-artes aplicadas, trabalhos e produtos de todos os
saberes e sovoir-faire[4]
dos seres humanos. Em nossa sociedade errante, constantemente transformada pela
mobilidade e ubiqüidade de seu presente, “patrimônio histórico” tornou-se uma
das palavras-chave da tribo midiática. Ela remete a uma instituição e a uma
mentalidade. [5]
Diante do pouco que foi exposto até o momento, fica claro
que o patrimônio é o pertence de alguém, de um indivíduo, ou, como veremos mais
adiante, de um grupo. No princípio era o pertence do patrono de uma família, do
paterfamilias, ou seja, aquele que
detinha o pátrio poder. Mas o conceito evoluiu ao longo do tempo, por ser um conceito
móvel, mutável, e foram sendo acrescentados diversos outros sentidos.
CONTINUA
PASSEIO PELA HISTÓRIA
NOS MONUMENTOS DO CENTRO DE ARACAJU/SE
Parte II
Somos indivíduos dormentes vivendo a era do descartável.
As sociedades mais antigas produziam bens para durar a vida inteira, para virar
décadas e décadas como testemunhas de sua cultura e de seus feitos.
As construções eram verdadeiras obras de arte, feitas
para cruzarem os séculos. Lavava-se tempo para se construir, anos e até mesmo
décadas. E o resultado são monumentos que hoje nem com os avanços da engenharia
somos capazes de empreender.
Aqueles que projetaram e construíram as Pirâmides do
Egito, uma maravilha do mundo antigo, desejaram que elas durassem para sempre.
Este mesmo objetivo estava na mentalidade dos
construtores da Catedral de Notre Dame de Paris ou o Big Ben de Londres, assim
como o Teatro Municipal do Rio de Janeiro, e tantas outras obras gigantescas,
grandiosas pelo simbolismo que carregam até hoje e que foram construídas nos
séculos e eras passados. Estes monumentos testemunham uma mentalidade que
produzia bens duráveis.
Os móveis antigos eram feitos com muito afinco e
dedicação, duravam gerações e gerações, passavam de pais para filhos e netos.
Hoje necessitamos trocá-los todos os anos, devido a fragilidade de sua duração.
Os primeiros eletrodomésticos, feitos para acompanharem
as famílias até o fim. Hoje são produzidos com prazo de validade, com tempo de
duração.
A era da velocidade, é uma era de coisas efêmeras e
modismos, e conseqüentemente de esquecimento. Onde produzimos cada vez mais
artigos descartáveis visando o lucro e a promoção individual.
Nos orgulhamos em ser uma sociedade cada vez mais
evoluída, mas não nos damos conta de que não estamos produzindo patrimônios
duráveis.
Os povos antigos transmitiram juntamente com o seu
patrimônio valores que ajudaram a construir uma sociedade mais humana.
Neste momento surge a pergunta: Que valores estão sendo
transmitidos para aqueles que virão? Se nós não produzimos bens que durem, pois
acreditamos que nada dura para sempre?
É neste quadro que buscaremos justificar a importância do
nosso trabalho. É por meio de pesquisas e trabalhos que revelem a relevância do
patrimônio, e por meio de uma prática docente consciente e crítica, que esta
realidade será combatida.
Desta forma o patrimônio existente poderá ser valorizado
e novos poderão ser anexados aos já existentes. Tudo dura para sempre se
soubermos delegar-lhe o devido valor, prestar-lhe a devida homenagem e
promovermos uma proteção eficaz.
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Parte I
Apresento
uma nova série de textos que aborda, por meio de conceitos e exemplos,
um dos relevantes temas de interesse e discussão atual no cenário das
relações culturais: Patrimônio Histórico-Cultural.
Ela
nasce de uma observação simples e informal do patrimônio da cidade de
Aracaju, mais precisamente dos monumentos tombados do seu centro
histórico.
Nossa
pretensão é contribuir para o enriquecimento das questões patrimoniais
por meio de reflexões que visam esclarecer e educar aqueles que se
interessam por esta temática. Sendo mais um caminho facilitador para
atingir e auxiliar na divulgação de estudos pertinentes ao tema.
Como
um trabalho conclusivo de um curso de licenciatura, não poderíamos
suscitar discussões sem a promoção de um diálogo entre o patrimônio e
educação. Por este motivo refletimos também sobre as atuais políticas de
educação patrimonial, seus conceitos e objetivos.
A
principio gostaríamos, de deixar claro que não fizemos observação
formal e metodológica dentro do ambiente escolar. Nossas observações são
resultado de experiências efêmeras da realidade docente adquirida nos
estágios curriculares. Mas nossas reflexões se baseiam também em estudos
e pesquisas de diversos historiadores e profissionais da educação e do
patrimônio.
Os
objetivos do nosso trabalho são: promover uma reflexão sobre o
patrimônio e tudo o que ele engloba, tendo como referência o patrimônio
do centro histórico de Aracaju; divulgar estudos relevantes que
complementem o diálogo com o patrimônio; analisar o papel exercido pela
educação nas questões patrimoniais e propor uma prática educacional
comprometida com o patrimônio histórico-cultural de Aracaju.
Para
atingir estes objetivos partiremos das análises dos diversos conceitos
apresentados ao longo dos anos. Quando pensamos em todos os bens e
monumentos patrimoniais que foram esquecidos, abandonados e até mesmo
destruídos, percebemos a relevância de promover trabalhos que buscam
fomentar os discursos de preservação.
Espero que vocês gostem dessa leitura!
CONTINUA